terça-feira, 6 de outubro de 2009

Gota de Sangue, Rota Comando, Sequestro, Salve Geral!

Deise Benedito*

Mais uma vez estamos sendo brindados com o que de pior o cinema brasileiro pode nos oferecer! Que horror!

Em cada esquina das ruas do centro de São Paulo - e de outras capitais-, os camelôs nunca faturaram tanto! O filme “Rota Comando”, que conta as ações “grandiosas” dos conhecidos exterminadores de vidas perdidas, as ações da “ROTA” e seus episódios macabros de mortes de inocentes, nas décadas de 1970, 1980 e 1990, ilustraram, além das páginas de jornais sensacionalistas, as ruas das cidades, em cópias (piratas?) do filme!

Ao lado das mazelas com que a população pobre (e negra) brasileira é brindada pela indústria do “entretenimento” televisivo, vivemos num cotidiano de programas que faturam milhões e milhões jogando com esses interesses que identificam o que se tem de pior! É assim que é considerada e tratada a população das periferias das metrópoles, penduradas nos morros e vielas, vivendo em condições insalubres; e, muitas vezes, caminhando pelas ruas: andarilhos da sobrevivência "reciclagem".

A indústria do espetáculo vulgar e perverso ganha sempre mais com os desavisados (tele)espectadores! Agora está no ar o filme “Sequestro”! Mais uma vez as fantásticas e inusitadas ações de policiais civis tomam conta das telas de cinema. “Sequestro” mostra o cotidiano de policiais que “estouram” cativeiro para libertar reféns de seqüestros. Não satisfeitos em o “dever cumprido” por libertarem as vítimas dos sequestradores algozes; filmam e entrevistam estas pessoas: relatos dos momentos de medo e terror que viveram! O filme tem a relíquia dos efeitos especiais, com trilha sonora de suspense, provocando ainda mais medo em quem assiste a esse “documentário da vida real” nos cinemas dos “shopping centers”.

A ousadia de transformar cenas do cotidiano de policiais civis, que estariam fazendo seu trabalho atuando como policiais, para as telas de cinemas, deve ter um significado! Para quê? Para quem? Supostamente esses trabalhadores ingressaram no corpo da polícia civil do estado de São Paulo, por livre e espontânea vontade. De trabalhadores a “atores”, atuam como protagonistas do “Sequestro”, concorrendo com outros filmes no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, ainda este ano. Estamos pagamos impostos para formarmos "artistas”, ao invés de policiais no exercício da garantia da segurança de todos e de todas? Até que ponto a transposição do real para a tela vai contribuir com a realidade, com a diminuição do índice de sequestros (muitas vezes seguidos de mortes)? Essa transposição ajuda a coibir ações desse tipo?

Não poderia imaginar que policiais no exercício de seu trabalho poderiam filmar suas ações para outra coisa que não fosse o estudo e a avaliação dos casos, para o aprimoramento pessoal e da “tropa”. E vejo a Divisão Anti-Sequestro de São Paulo prestes a marcar presença no rol da fama do cinema nacional! Ora! Estamos num País de analfabetos funcionais, professores mal renumerados, pessoas sem moradia digna, pessoas que não têm o que comer, sem áreas de lazer, mas campeão em pirataria de DVD! O filme “Tropa de Elite” ficção foi indicado para inúmeros prêmios, vendeu muito e teve um público inesperado! Qual a sua contribuição para o fim da violência e do tráfico de drogas? A história do batalhão de policia especial do Rio de Janeiro não vai se surpreender com o lançamento do filme "Rota Comando de São Paulo", afinal também a policia de elite de São Paulo tem com o que contribuir para o cinema! Depois das estréias de

“Rota Comando, Sequestro”, seremos mais uma vez brindados com a estréia de "Salve Geral", que irá narrar os fatos ocorridos no mês de maio de 2006, onde 493 pessoas foram assassinadas num espaço de tempo de duas semanas em São Paulo: a história dos ataques do PCC - Primeiro Comando da Capital. Atribui-se ao PCC em torno de 50 assassinatos! É fácil fazer as contas para tentar entender como foram mortos os outros 443 (– maioria jovens e negros moradores da periferia sem passagens pela polícia). E isso tudo ocorreu para o pronto restabelecimento da ordem pública, no Estado de São Paulo!

O filme Salve Geral irá estréia no dia 02 de outubro, coincidentemente o dia em que se completam os 17 anos do Massacre do Carandiru, onde foram assassinados 111 presos (1992). Pode ser só uma coincidência, mas sabemos que nada acontece por acaso! A escolha da data seria como afirma o cineasta: "pura coincidência"? De todo modo, isso aponta para o início do surgimento e do fortalecimento de uma das facções mais conhecidas e populares do crime organizado no País que é o PCC: Primeiro Comando da Capital. Esse mesmo PCC que, nestes 15 anos de atuação oficial se ramificou em outros presídios do estado e de outras capitais, tendo nascido logo após o massacre do Carandiru!

Enfim, o PCC ganha as telas do cinema! O “Partido" ganhou o tão sonhado "reconhecimento", graças à genialidade do diretor! Ele vai levar para as telas o "funcionamento do partido"! “Partido” como é conhecido o PCC e seus adeptos conhecidos como “irmãos”... afinal são uma irmandade mesmo!

Numa sociedade com a nossa, que em um único produz três filmes que envolvem a violência, o sensacionalismo, a banalização da vida humana, podemos constatar a ausência de compromisso desses "diretores" com as vidas humanas. Afinal o filme "Salve Geral" vai servir para quê? A quem? Os adeptos do "partido" vão ficar lisonjeados, afinal ganharam espaço privilegiado no cinema nacional; ganharam visibilidade. E isso faz aumentar o número de jovens possam se interessar em ingressar nas fileiras. Outros tantos que assistam se lembrarão das ações que praticaram em maio de 2006: algumas com êxito e outras sem! E tudo regado a muito sangue, muito tiro e muitas mortes!

Depois de tanto sangue derramado nas telas nos últimos dois anos, nada melhor que a última “Gota de Sangue” que é derramada em nossas cabeças, pela "intelectualidade” retrograda, conservadora e, por isso, hipócrita. Oriunda dos setores mais reacionários, elitistas se divertem ao verem estes filmes e constatarem que a população negra está no “devido” lugar de onde não pode sair: da pobreza, das prisões e do crime. Por isso ela é abatida sem medidas, por diferentes e eficientes formas de extermínio, que vão para além do abandono constitucional, onde os direitos econômicos, sociais e culturais são desconstituídos no cotidiano, sob a égide do principio da "igualdade"!

A “Gota de Sangue” ganha espaço nas livrarias, para pregar que "todos são iguais"; que o racismo, o preconceito, a discriminação estão apenas na cabeça daqueles que estão presos a casuísmos acadêmicos de baixa qualidade; oriundos daqueles que acreditam que as cotas para negros é uma solução para o fim das desigualdades. A “Gota de Sangue”, mais uma vez está sendo derramada em nossas cabeças, enquanto muitos aguardam o tiro de misericórdia das balas perdidas de cada dia.

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