quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

ABANDONO AFETIVO

Pai deve indenizar filho por abandono afetivo
Por Fernando Porfírio
Não se pode obrigar alguém a amar ou a manter relacionamento afetivo, mas se o abandono ultrapassa os limites do desinteresse e causa lesões no direito da personalidade do filho, com atos de humilhações e discriminações, cabe, sim, reparação pelo dano moral causado. Este foi o entendimento majoritário de uma das câmaras do Tribunal de Justiça de São Paulo para obrigar o pai a pagar indenização ao filho por dano moral num caso em que se discutia abandono afetivo. A decisão da corte paulista inovou em relação à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria.
O caso envolveu o drama de um rapaz do interior paulista que ingressou com ação de indenização contra o pai por abandono afetivo. Ele fundamentou seu pedido com o argumento de que o descaso e o repúdio paterno foram resultado de um problema congênito (deformidade na orelha). Em primeira instância, a Justiça julgou a ação improcedente com a tese de que o pai foi condenado a reconhecer a paternidade e a pagar alimentos, mas não poderia ser coagido a dar um amor que não sentia e para o qual não há nenhuma obrigação legal.
A decisão, que reformou a sentença de primeiro grau, foi da 4ª Câmara de Direito Privado, tendo como voto condutor o do desembargador Ênio Zuliani, que também era relator do recurso, e a divergência do desembargador Maia da Cunha. O relator foi seguido pelo desembargador Fábio Quadros. Zuliani destacou que o pai não foi solidário com o drama do filho, se limitou a cumprir a sentença de alimentos e nada fez para superar a má-formação na orelha do rapaz.
Maia da Cunha entendeu que não havia prova de que o defeito físico tenha sido a causa do abandono afetivo de quem nunca aceitou a paternidade. O voto divergente apontou como indevida a presunção de que o caso envolvia discriminação. Na opinião do desembargador, a atitude do pai não passou de simples falta de afetividade, decorrente de se cuidar de filho desconhecido e somente reconhecido judicialmente.
Teses jurídicasA matéria que envolve responsabilidade civil por abandono afetivo divide e preocupa magistrados, principalmente, por conta do risco da banalização, da criação de uma indústria do dano moral ou de servir de meio de revanche. Quem defende a tese intransigentemente contrária ao dano moral argumenta que, não existindo a obrigação legal, não há ato ilícito, ainda que da falta de amor resulte algum dano afetivo ao filho.
O Superior Tribunal de Justiça abraçou essa tese quando se debruçou sobre o assunto ao julgar um recurso de Minas Gerais, proposto pelo filho que alegava abandono moral pelo pai. O relator, ministro Fernando Gonçalves, entendeu que não existe dano moral pela simples e boa razão de que não há meio de obrigar alguém a amar outro, mesmo que seja seu filho. O ministro César Asfor Rocha, atual presidente do STj, repudiou o que chamou de tentativa de quantificar o amor com o intuito de conceder indenização. O ministro Aldir Passarinho Júnior salientou que a questão deve ser resolvida no âmbito do Direito de família.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Ênio Zuliani sustentou que o caso apreciado pela corte paulista era diverso daquele apreciado pelo STJ, por envolver hipótese de filho com deficiência estética e que foi excluído da convivência com o pai. A posição defendida por Zuliani prestigiou laudo psicológico que confirmou o dano psíquico, o que, no seu entendimento, justifica o arbitramento de um valor para servir de lenitivo à vítima do desamor paterno.
Para Zuliani, embora caiba respeitar a liberdade das pessoas, inclusive a de não querer amar o filho, é preciso que se encontre uma solução equilibrada que possa servir de instrumento para que pais negligentes se comprometam com a responsabilidade familiar. O relator reconheceu que, se a ação de indenização por abandono afetivo está amparada exclusivamente nos efeitos do desamor, não há mesmo o que compensar.
“A turma julgadora considera que o fato de o rapaz ter deficiência física ostensiva e que embaraça sua adaptabilidade muda o enfoque e agrava a conduta do pai omisso, valendo anotar que de importância alguma terá a sociedade em proteger as pessoas portadoras de cuidados especiais se o descaso de familiares age em sentido inverso, porque o desinteresse atinge proporções discriminatórias”, afirmou Zuliani.
Voto divergenteO desembargador Maia da Cunha, autor do voto divergente, argumentou que a deformação física na orelha do rapaz não foi a causa da falta de relacionamento entre pai e filho. Para o desembargador, o dano psíquico, mesmo quando existe, não pode acarretar indenização de quem poderia e não deu afeto e amor.
“A lei pode obrigar o pai a reconhecer legalmente o filho, bem como a registrá-lo e sustentá-lo financeiramente, mas não pode ser obrigado a amá-lo”, afirmou o desembargador. Ele destacou o fato de que o filho foi concebido fora do casamento e a paternidade só foi reconhecida por força judicial e de que não havia prova de que a distância e o afastamento do pai tenha se dado por causo do defeito físico.
“A questão primordial a ser definida pelo magistrado não é propriamente se a falta de afeto do pai pode ou não gerar problemas psíquicos, o que sempre será respondido de modo afirmativo em relação à possibilidade de sua ocorrência, mas se o dano psíquico eventualmente ocorrido pode ou não gerar responsabilidade civil para o pai”, anotou Maia da Cunha. Ele se amparou na tese de que, para se chegar à responsabilidade civil seria necessário que dar amor ao filho se constituísse em obrigação legal, prevista na ordem jurídica. No entendimento de Maia da Cunha, sem essa imposição clara não se poderia cogitar de ato ilícito e, por consequência, de dano moral capaz de gerar indenização.

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